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segunda-feira, 28 de maio de 2018

DE JUNHO/13 A MAIO18: DA DESILUSÃO ÀS NOVAS POSSIBILIDADES

Em 2002, depois de mais de uma década de duras políticas neoliberais concernentes às demandas do capital globalizado e produtivamente reestruturado, políticas patrocinadas pelos governos Collor, Itamar e FHC, o PT ganhou uma eleição presidencial. Equilibrando-se na onda favorável do crescimento da economia mundial e da alta das commodities – ambos baseados na acumulação do capital chinês: um misto de acumulação primitiva e uso intensivo de alta tecnologia –, o governo Lula implementou políticas públicas que, sem afetar o lucro da alta burguesia, distribuiu renda para os mais pobres e estagnou as “classes médias” (trabalhadores mais escolarizados e melhor remunerados, profissionais liberais, pequenos proprietários).

Com a eclosão da crise financeira de 2008 – cujo estopim foi o mercado imobiliário estadunidense – e seu espraiamento pelo mundo, Lula e Dilma tentaram contornar os seus efeitos com o aumento dos gastos públicos e subsídios à produção industrial e agrícola. Por algum tempo, essa equação funcionou, mas sem resolução efetiva dos problemas essenciais da reprodução do capital em terras tupiniquins e, muito menos, das duras condições de vida população trabalhadora. Mas, com a manutenção do núcleo duro das políticas neoliberais (metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário), nenhuma alteração substancial na estrutura produtiva e financeira do país (dependência tecnológica e financeira, legislação tributária concentradora de riqueza, sistema financeiro oligopolizado etc.) e com as políticas públicas desaguando no mercado (PPPs, FIES, entrega das moradias populares às construtoras etc.), se acumularam contradições. Os resultados principais foram a redução da complexidade industrial, o crescente colapso da infraestrutura urbana (superlotação de vias, especulação imobiliária), o incremento das dificuldades da vida cotidiana e/ou expectativas frustradas de ascensão social para grandes parcelas da população.

Em junho de 2013, na fresta aberta pela luta do movimento estudantil contra o aumento das tarifas de ônibus, houve uma explosão de descontentamento que envolveu sobretudo membros das “classes médias” (isto é, das classes/estratos não beneficiados pelas políticas públicas e que foram afetados pelo aumento de custos resultante da pequena melhoria de vida dos mais pobres) e, em quantidades muito menores, trabalhadores pobres e lumpemproletários. Milhões de pessoas saíram às ruas contra a PEC 37 e bandeiras difusas, que, como em outros momentos históricos, confluíam no rechaço à corrupção – ou melhor, contra os corruptos (políticos e funcionários públicos e de empresas estatais), mas com ampla leniência com os corruptores (empresários). Essas mobilizações ocorreram num contexto mundial de crise do capital e, para enfrentá-la, de recrudescimento das políticas neoliberais. E mais, um contexto de crescente oposição e fragilização dos governos não-alinhados a elas (Venezuela, Argentina, Equador, dentre outros). Por aqui, o fortalecimento do moralismo típico de frações das classes médias alimentou o conservadorismo e a oposição ao governo petista. Houve, então, tanto o crescimento do rechaço às ideias, valores e políticos identificados, real ou ficticiamente, com o petismo e a esquerda em geral, quanto a valorização dos movimentos e políticos de direita, sobretudo dos mais abertamente antidemocráticos ou de tendências fascistas.

Nos anos seguintes, sob a maré montante do neoliberalismo e o predomínio das demandas do capital financeiro nacional e internacional, o governo Dilma aderiu à austeridade fiscal para debelar a crise de confiança dos rentistas (corte de gastos e de benefícios – aumentou prazo e diminuiu parcelas do seguro-desemprego). Porém, com histórico duvidoso – certo intervencionismo estatal, combate aos elevados juros bancários, PT como partido protagonista –, baixíssimo apoio no Congresso Nacional (carcomido por interesses privados e imediatos) e acossada por manifestações de rua insufladas pela Operação Lava-jato e seus apoiadores na mídia, a popularidade de Dilma ruiu e, junto com ela, o país mergulhou numa imensa recessão. Por conta disso, em 2016, numa orquestração jurídico-política que foi da ilegalidade ao grotesco, Dilma foi apeada da presidência por um golpe jurídico-parlamentar. Com a sua queda, a ilusão petista (misto de convicção e pragmatismo) de governar em prol dos mais pobres pelos meios (legais e ilegais) da política tradicional e sem atentar contra os interesses da classe dominante se demonstrou inviável e, com ela, a de um “reformismo pelo alto” – isto é, sem mudanças estruturais e sem apoio organizado e ativo das massas populares.

Com Dilma deposta, o governo de Michel Temer se apressou em implementar medidas alinhadas com as demandas do capital, especialmente aquelas de sua fração financeira. Mesmo com baixíssima popularidade, Temer promoveu cortes orçamentários em serviços essenciais e fez aprovar leis para o congelamento dos gastos públicos (com exceção do pagamento de juros da dívida pública) e reformas para retirar direitos trabalhistas (lei da terceirização, mudança na CLT, lei de greve contra os servidores públicos). Não bastasse isso, houve o recrudescimento da repressão aos movimentos sindicais e populares em todos os lugares e esferas de governo. Como desdobramento indesejado, essas medidas tomadas para viabilizar os interesses do rentismo não apenas inviabilizaram qualquer resolução para os problemas que, no governo anterior, já haviam levado ao descontentamento das classes médias e das massas populares, mas os agravaram. 

Logo após o golpe, a corda no pescoço das classes médias ficou depositada na conta dos governos petistas. Mas, com o passar dos meses, a exacerbação da rapina no parlamento, o bate-cabeças no STF – e, de certo modo, no poder judiciário como um todo –, a lentíssima retomada do crescimento econômico, o desemprego estagnado em patamares elevados, a renda em baixa e outros motivos econômicos e políticos alimentaram o combustível que, com a paralisação dos caminhoneiros, colocou novamente as classes médias nas ruas. Dessa vez, no entanto, com certo descolamento da responsabilidade petista. E, para o incômodo de frações das classes médias e das classes dominantes, essa paralisação carrega o potencial de impulsionar mobilizações e greves na classe trabalhadora. 

Por conseguinte, em razão de suas consequências, a mobilização dos caminhoneiros autônomos e das transportadoras abre uma nova conjuntura política no Brasil. Até o momento, tínhamos um governo contestado pela esquerda, mas que contava com apoio explícito da alta burguesia e, passivo – uma espécie de omissão –, das classes médias. De agora em diante, o governo Temer, que, com o engavetamento temporário da “reforma da previdência”, já havia sido duramente golpeado pelos interesses de curto prazo e o crônico fisiologismo dos deputados (preço pago pela burguesia para compor as suas demandas/interesses num arremedo de democracia), pode se tornar um “morto-vivo”. Sem dúvida, as recentes mudanças efetuadas na legislação atenderam a certas demandas do capital financeiro, mas o “cobertor orçamentário” é curto para cobrir as demandas das diversas frações golpistas. Por sua força objetiva e por terem sido duramente afetados pela política da Petrobrás – que, para deleite dos seus acionistas, passou a regular os preços em consonância com os cânones neoliberais e as flutuações do barril de petróleo no mercado internacional e, internamente, do dólar –, caminhoneiros e transportadoras arrancaram concessões do governo e, assim, colocaram nas cordas a sua política fiscal. Isso significa que, além de potencializar a mobilização de outras categorias, as conquistas dessa paralisação dos caminhoneiros arruínam justamente a razão de ser do governo Temer – ou seja, do governo comprometido e capacitado a reformar o Estado em favor do capital financeiro. Em outras palavras, elas comprometeram duramente os motivos pelos quais essa fração da burguesia apoiou Temer e a sua camarilha até o momento. E, mais do que isso, as concessões efetuadas terão como resultado cortes orçamentários que, muito provavelmente, incidirão sobre os serviços públicos destinados às já bastante insatisfeitas e impacientes massas populares – da saúde e educação à previdência. 

Outrossim, no início do seu mandato, a burguesia alinhada em torno da Globo e dos justiceiros da Lava-jato não conseguiu derrubar Temer, mas essa mobilização dos caminhoneiros e transportadoras – e, se ocorrer, a greve dos petroleiros – pode encurralá-lo, derrubando-o ou colocando-o numa condição semelhante aos últimos meses dos governos Sarney e Dilma. Com isso, o cenário instável pode suscitar resoluções inesperadas e/ou extremas. De um improvável renascimento de Lula ou candidaturas à esquerda ao domínio avassalador de Bolsonaro, as possibilidades estão em aberto. Porém, um fortalecimento da classe trabalhadora e de suas lideranças só pode ser vislumbrado com a retomada das ações grevistas, nas ruas. Os verde-amarelos não constituem um bloco homogêneo e não-disputável pela esquerda. Ao contrário, a disputa está em aberto em todos os flancos – para a esquerda, mas também para a direita. Nesse sentido, urge a necessidade de ruptura com as vacilações do peleguismo sindical e do reformismo político e, assim, de construção de um programa econômico que sirva como aglutinador de forças da classe trabalhadora e aproximação com as massas populares em geral. Não se trata de erguer uma bandeira política (eleição, democracia) e, subordinada a ela, algumas ideias econômicas, mas erguer um conjunto coeso de reivindicações econômicas e, subordinada a elas, perscrutar os caminhos políticos viáveis de sua realização.

Por fim, para quem sabia que, em razão do marasmo econômico e das eleições incertas, 2018 seria um ano de fortes emoções políticas, este final do mês de maio, para o bem ou para o mal, tem descortinado um ano de incertezas e emoções muitíssimo maiores. Trata-se, então, de acompanhar atentamente o desenrolar dos acontecimentos e, na medida do possível, intervir para dar-lhe um curso mais concernente aos interesses da classe trabalhadora. E, como sabemos, essa não é uma tarefa fácil.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Eleições municipais: derrota eleitoral e perspectivas da esquerda para o próximo período

Nas eleições de ontem, o PT sofreu uma grave derrota eleitoral. Para muitos, há tempos que o PT abandonou o campo da esquerda. Para outros, stricto sensu, ele nunca esteve propriamente lá. Socialista, jamais foi. Em seus melhores dias, seu ideário constituiu uma espécie de liberalismo democrático-radical, nunca tendo sido animado univocamente pelo pensamento marxista. Mas, seja como for, estando ou não na esquerda, o PT, por motivos diversos, é identificado como o maior e mais importante partido de esquerda do Brasil. Para o grosso das massas populares, pouco ou nada há na esquerda além do PT. Por isso, queiramos ou não, a crise do PT é a mais grave expressão, em nossa história, da crise da esquerda. Por suas virtudes e vicissitudes, os erros do PT são lançados na conta da esquerda em geral.

Nesse sentido, criticar os erros do PT é dever fundamental da esquerda. Mas, sob certos aspectos, também é importantíssimo defendê-lo dos ataques da direita. Criticá-lo por ter chafurdado na corrupção é justo e necessário, pois, aqui, ele comungou das mais torpes práticas políticas dos nossos inimigos de classe – dos partidos da direita. Igualmente, devemos fazê-lo em relação àquelas medidas econômicas e políticas regressivas que foram implementadas pelos governos Lula e Dilma. No entanto, é nosso dever defendê-lo de todos os ataques que, por meio dele, visam desqualificar tudo aquilo que remete ao popular, ao democrático e ao socialismo. Do mesmo modo, há que sermos intransigentes na defesa de um tratamento digno e republicano aos seus quadros corruptos, bem como no clamor para se estender a investigação e a punição aos corruptos que são seus adversários políticos. Pelo curso natural dos acontecimentos, nem um e nem outro ocorrerão.

Nessa difícil encruzilhada, momento em que o avanço conservador e a crise petista colocam enormes desafios para a reconstrução da esquerda – além, é claro, da difícil conjuntura internacional –, cabe salientar que a experiência governista do PT fez emergir, com mais intensidade do que em qualquer período anterior, a certeza de que as nossas classes dominantes (proprietários de terras e dos meios de produção, sejam eles nacionais ou estrangeiros) e frações expressivas das classes médias são completamente incapazes de apoiar qualquer movimento pelo avanço democrático em nossos país – vide que até seus partidos "de centro", nos últimos anos, têm abraçado regressões civis e medidas econômicas fortemente antipopulares. Em outras palavras, combalido pelo golpe de 1964 e morto pela integração subalterna no processo de mundialização – cujo corolário foram as contrarreformas neoliberais (que ainda pressionam para mais regressões) –, o sonho de um “capitalismo autônomo e independente” tornou-se, definitivamente, com a experiência “neodesenvolvimentista”, um espectro incapaz de alimentar qualquer expectativa de profundas transformações sociais. O que antes era uma possibilidade se revelou, nas condições atuais, mais do que nunca, uma impossibilidade objetiva, um beco sem saída da história. O sonho do capitalismo autônomo, cultivado por setores tanto das classes subalternas quantos minorias das classes dominantes, tornou-se o nosso unicórnio político.

Para extrairmos algumas das implicações disto, pensemos: quais seriam, no espectro político-partidário atual, os aliados dos trabalhadores numa luta pela democratização (formal e substancial) do país? Como, após a experiência neodesenvolvimentista do PT, ainda se pode crer na viabilidade da construção uma democracia burguesa com mais direitos e participação popular? Ou seja, como se pode crer na possibilidade de alargá-la aos moldes das democracias dos países centrais (as quais, por sua vez, têm se estreitado)? E mais, como fazê-lo se, para todos os espectros das nossas classes dominantes e seus representantes político-partidários, a necessária elevação substancial do padrão de vida (material e cultural) das massas populares é uma alternativa completamente descartada?

A nosso ver, nessa quadra histórica, o caráter conservador (e mesmo reacionário) das classes dominantes brasileiras expressa muito mais do que uma simples indisposição subjetiva para a mudança; ele expressa os constrangimentos objetivos da reprodução da economia nacional – subalterna e dependente – no contexto da mundialização do capital. Portanto, a questão é a seguinte: se o alargamento da democracia burguesa no Brasil exige a expansão de sua base socioeconômica e cultural e, por sua vez, este se tornou impossível no contexto da regressão neoliberal no capitalismo altamente financeirizado dos dias atuais, será que, esbarrando nas condições estruturais de reprodução do capitalismo dependente, as exigências imediatas não colocam as próprias transformações estruturais na ordem do dia? E mais, se a regressão neoliberal exige a implementação das contrarreformas, as melhorias conquistadas nos governos petistas – e, nisto, eles podem ter sido positivos –, por mínimas que sejam, não serão arrancadas facilmente das massas populares. Ao mesmo tempo, nesse quadro estreito, o movimento abrangente e decisivo destas terá impacto sobre a totalidade da reprodução social.

A batalha eleitoral está perdida. Porém, as batalhas decisivas da guerra de classes são travadas noutras frentes, especialmente nos locais de trabalho da cidade e do campo, bem como nos bairros periféricos das grandes e médias cidades. Se for assim, não apenas o dilema socialismo ou barbárie retoma sua atualidade histórica como, ao mesmo tempo, a derrota eleitoral da esquerda colocará, para a direita, o desafio de fazer as contrarreformas num contexto bastante adverso. Trata-se, então, de estarmos preparados para as duras batalhas sindicais e políticas – que, pelo visto, não vão demorar para recomeçar.  

sexta-feira, 18 de março de 2016

Das manifestações de 18.03.2016

Nas sociedades capitalistas, todo estado, com ou sem concertação de classes no governo, é burguês. Portanto, o complexo jurídico que ele estrutura – e, por sua vez, é estruturado – também é burguês. Isso não significa, no entanto, que ele esteja imune a leis que, aqui e ali, das trabalhistas às civis, atendam a certas demandas dos trabalhadores. Ocorre que tais demandas somente podem ser atendidas em condições correspondentes às possibilidades de reprodução da ordem social sobre a qual ele se ergue. Como, em razão da nossa história, temos uma economia de desenvolvimento estreito, dependente e subalterno, nossa democracia lhe é correspondente – estreita, seletiva. Nesse sentido, as massas populares sempre viveram formas agudas de pobreza material e cultural e tiveram pouco acesso às franquias democráticas. Para elas, essa democracia não pode ser defendida porque, de fato, ela nunca se realizou. Os governos petistas – especialmente entre 2003 e 2010 –, atuaram com vistas a amenizar essa miséria renitente e aguda, mas, mesmo que melhor do que todos os governos anteriores, sua atuação foi bastante limitada. Em razão disso, excetuando mobilizações pontuais, não se pode esperar que as massas populares mais pobres e exploradas saiam às ruas para defender esse governo, assim como não sairão para defenestrá-lo. Cada vez menos elas se identificam com ele e, ao que parece, não depositam nenhuma confiança nas lideranças do oposicionismo de rua e nem no institucional. Em suma, posso estar errado, mas penso que, por ora, estão numa espécie de deriva política. Não confiam mais nas lideranças tradicionais da (pseudo)esquerda majoritária; porém, nem a esquerda anticapitalista e nem a direita tradicional conseguiram conquistar-lhe corações e mentes. Eis um gravíssimo perigo, pois, se cooptadas pelo protofascismo de estratos crescentes das classes médias, a escalada da reação será muitíssimo maior do que a que vemos atualmente, com graves consequências na vida cotidiana de todos nós. Por isso, urge que a esquerda anticapitalista e os setores mais combatentes da socialdemocracia se unam numa frente política enervada por um programa econômico que, de fato, aponte para a resolução dos problemas concretos dessa imensa parcela da população brasileira – trabalhadores pobres e lumpemproletários, sobretudo os jovens (largamente ausentes nas manifestações da direita). Somente isso poderá atrai-la para uma ação política progressista. Do contrário, não apenas a esquerda cairá com Lula, Dilma e o petismo, mas também irão para a tumba as “liberdades democráticas” que, até agora, têm dado resguardo à organização política de certos estratos dos trabalhadores e das classes médias progressistas. Com a gritante transferência de questões políticas para o judiciário – cujo mito de poder independente e imparcial o petismo (mas não só) tanto alimentou –, não teremos sobre nossas cabeças a nua e crua botina dos militares, mas esta envolvida na – e justificada pela – toga dos magistrados. Por isso, embora necessária, a saída às ruas no dia de hoje não pode assumir as formas do governismo acrítico e nem fomentar a expectativa de que esta ação é resolutiva. É necessário muito mais. É necessário rearticular as lutas imediatas por liberdades democráticas e conquistas econômicas com a consistente luta (teórica e prática) contra o capitalismo e seus mitos. Trata-se, portanto, sem sectarismo ou ilusões revolucionárias infundadas, de construir uma alternativa pela base à crise vigente, pela organização e vinculação às massas populares e suas demandas – que, sobretudo e primariamente, são econômicas. Enfim, eis uma tarefa ao mesmo tempo titânica e urgente.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Duas breves observações sobre as manifestações de 15/03

FATO – Nós, da esquerda anticapitalista, precisamos entender as manifestações de ontem para intervir e confrontar ideias e práticas. Porém, precisamos ter cuidado para não pintar o demônio ainda mais feio do que ele já é – porque, convenhamos, o bicho é feio! TFP, maçonaria, protofascistas, viúvas da ditadura, golpistas, moralistas religiosos e laicos, direitistas convictos, extrema-direita, preconceituosos de todos os matizes e muitos “ingênuos úteis” protagonizaram as imensas manifestações de ontem (misto de protesto com passeio de domingo). Manifestações que, entre algumas motivações legítimas e muitas bandeiras reacionárias e bisonhas, trouxeram à praça pública sentimentos, ideias e valores difusos, confusos e sem propostas/caminhos resolutivos; e, em seu bojo, expuseram e alimentaram os mais ignóbeis preconceitos de classe. Motivos para isso? Há muitos, como, por exemplo, a politização perversa promovida pelo PT nos anos de governo federal, donde a concessão aos mais pobres teve como moeda de troca o passivo apoio eleitoral e o abandono das ruas e, para a burocracia sindical e outros movimentos, a falência da organização nos locais de trabalho, da base. Estes são motivos que cresceram assustadoramente na última década e meia. Há, porém, motivos históricos, estruturais. Dentre eles, o principal talvez seja que, num país de passado escravocrata e caracterizado pela mais do que secular e renitente desqualificação política dos populares pelos membros das classes dominantes e médias, não há como negar que, por trás da aversão ao PT – por mais legítimas que sejam certas críticas e desconfianças –, palpita o mal-estar e a aversão que estas classes nutrem aos trabalhadores pobres e, mais recentemente, à sua pequena ascensão econômica, que teve como resultado sua maior presença/ocupação em espaços públicos e privados. Além, é claro, de um longo e entranhado anticomunismo. Pois, afinal, devido à origem, muitos e muitos supõem – alguns, mais inteligentes e desprovidos de integridade, veem funcionalidade política em confundir – que o PT seja um partido de esquerda e, portanto, comunista.

QUESTÃO – Essas manifestações, longe de terem sido obra da manipulação dos meios de comunicação e da conspiração imperialista (como insistem muitos petistas) – embora, como sempre ocorre quando a direita se move, esses elementos estivessem presentes –, foram, em sua composição variada, formadas primordialmente por profissionais liberais, pequeno-burgueses, assalariados de médio e alto escalão e funcionários públicos (com participação, ainda que baixíssima, de trabalhadores pobres – ou seja, a massa da periferia das cidades brasileiras). Nisso, eis um aspecto que pode tornar o bicho menos medonho: tínhamos homens e mulheres insatisfeitos com a corrupção e a falta de transparência das instituições e, também, com a política econômica. Ou seja, os problemas que alimentam o descontentamento e, de algum modo, compõem a carga de motivos que os empurraram às ruas não são apenas reais, mas, sob diversos aspectos, são também confluentes àqueles que assolam a massa do compósito proletariado brasileiro (urbano e rural). Por conseguinte, ainda que eles estejam embrenhados em ideias e valores da ideologia burguesa (em seu amplo espectro de matizes), não se pode considerar que façam parte de um campo em que não há mais disputas a serem travadas. Ao contrário, a unidade dos diversos segmentos sociais que compõem essas manifestações não vai se sustentar quando as reivindicações deixarem o campo etéreo e difuso da luta contra a corrupção e aterrissarem no campo concreto das disputas materiais. Isto ainda não aconteceu, mas é inevitável que ocorra. E, quando ocorrer, a luta de classes, envolvida (e escondida) pelo confuso biombo da disputa entre petistas e antipetistas, exigirá posicionamentos muito mais consistentes e concretos das direções sindicais e políticas.
Dentre outros motivos, sua emersão ao primeiro plano da luta política é inevitável porque o governo Dilma fará nova guinada à direita, aprofundando as medidas de ajuste fiscal e recessivas para apaziguar os ânimos dos capitalistas (nacionais e estrangeiros) – ou seja, apertará o arrocho sobre os trabalhadores. Parte dos que saíram às ruas ontem, sem ter clara consciência disso, gostariam que o governo atuasse na direção contrária – embora, é claro, não saibam quem poderá fazê-lo –, pois medidas dessa natureza os prejudicam. Portanto, quando essa unidade se esboroar, a desorientação resultante terá que ser preenchida pelo esclarecimento e a apresentação de alternativas reais, concretas, para os graves problemas do país; ou seja, medidas que, ancoradas nas lutas concretas, afetem a materialidade primordial da nossa existência social – a estrutura econômica e suas formas de propriedade. Eis uma tarefa para todos nós: construir uma plataforma unitária que sirva como polo aglutinador e incentivador de lutas sociopolíticas orientadas pelas demandas do trabalho.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Para além do divisionismo regional, o reconhecimento das divisões em classes

Nas últimas semanas, vi muitas pessoas de bom nível escolar sustentando um discurso moralista do bem contra o mal, dos retos contra os corruptos, dos apaziguadores contra os irresponsáveis incendiários que incitam o ódio de classes.

Neste domingo, com o término da eleição, vi, com certo espanto e curiosidade, essas mesmas pessoas destilarem seu ódio contra os nordestinos e todos aqueles que votaram na candidata petista. Vi afirmações discriminatórias contra os nordestinos, contra os pobres, e, também, pregações pela separação do Sul-Sudeste do Nordeste. Em suma, vi o “bom mocismo” ruir.

Essas pessoas que falam em divisão do país esquecem-se de algo básico: o país está dividido desde seu nascimento, pois a colonização portuguesa deita raízes na exploração/escravidão de indígenas e, sobretudo, da população de origem africana. Não foi o PT que inventou a luta de classes. De fato, ela não é uma invenção e nem o resultado da incitação ao ódio pelos insanos petistas/comunistas. A luta de classes é um aspecto estrutural das sociedades cindidas entre proprietários (dos meios de produção) e não-proprietários. Este é um conhecimento elementar da realidade social, e não apenas entre os cientistas sociais.

Para aqueles que querem um país realmente mais justo, fraterno e unido, trata-se, no imediato, de enfrentar as consequências divisionistas (reais ou ilusórias) impulsionadas pela distribuição dos votos, manifestas nos dilemas petismo e anti-petismo, nortistas e sulistas. Isto, porém, não basta. Os setores/movimentos/partidos de esquerda precisam compreender melhor o país e sua dinâmica política para construir a “unidade possível” – isto é, nucleada pelo proletariado, uma unidade entre as classes subalternas e frações da pequena burguesia/classe média. Unidade para a luta. Unidade para o enfrentamento desses e de nossos problemas estruturais.



Nesse sentido, é fundamental saber que há muitos e muitos desses agentes da transformação – ou seja, de membros das classes subalternas – que votaram em Aécio, Alckmin, Richa etc. e, por conseguinte, estão sob a influência política e ideológica da direita. Portanto, superando o prisma fundamentalmente eleitoreiro e político, urge a necessidade de tratarmos e analisarmos a estruturação das classes, suas articulações socioeconômicas e, assim, suas manifestações e composições políticas para qualificar a intervenção e contribuir com o avanço da consciência de classe.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Eu, a urna, o voto

Neste domingo, estarei novamente exercendo minha cidadania: eu, a urna e, nela, o voto. Ah, que solidão! Não é bastante perceptível que esse ritual da democracia burguesa, controlada e limitada, é, ao seu modo, um empobrecimento da prática democrática? Parece um ritual higienista: todo mundo asséptico, sem panfletos, sem barulho, sem debate, sem... democracia. É o estado zelando pela nossa consciência! E o zelo no ato, a sacralização ritualística, é simplesmente o ápice fetichista de que, ali, estamos decidindo, com a consciência limpa e tranquila, os destinos da nação. Ilusão!

Voto na Dilma! Os motivos? Já escrevi em postagens anteriores. Porém, muito do que ocorrerá a partir deste domingo já foi decidido; não por nós, mas sim pelos poderes econômicos e políticos que sustentam as respectivas candidaturas. Se, como trabalhadores, quisermos, de fato, interferir nos destinos da nação – ou seja, no nosso destino –, temos que, passado este momento modorrento, nos mobilizarmos, ocuparmos as ruas, os espaços públicos e, em nossos locais de trabalho, fomentarmos a mobilização sindical e política. Isto porque é ali, nesses espaços, que, em condições muito mais favoráveis e sustentáveis, poderemos, para além dessa modorra política do capital, dar vida à democracia do trabalho. Esta, afinal, é aquela que mais nos interessa. 


Depois do voto, a luta!

domingo, 12 de outubro de 2014

Você vai votar na Dilma? (intermezzo)

Nos anos 1990, o PT tornou-se um partido profundamente integrado à ordem social e política. Um partido de origem popular, mas, que, em suas constantes transformações, se metamorfoseou em mais um dos partidos burgueses – embora, sem dúvida, não seja um partido burguês tradicional. Nesse processo de adaptação, o trabalho de base foi sendo minimizado/eliminado pelas seguintes e principais razões: 1) a incorporação do partido ao aparato estatal fez das instâncias executivas e parlamentares os mais relevantes centros de deliberação das ações políticas e, principalmente, eleitorais; 2) tal incorporação, fruto da burocratização, também a intensificou, levando milhares e milhares de quadros dos movimentos sindicais e populares a cargos estatais – tornando-os dependentes desses cargos recém-adquiridos para sua sobrevivência econômica, sobretudo quando tal cargo possibilitou a ascensão do padrão de vida desses indivíduos; 3) pelo descolamento e desorganização da base que provocou, a burocratização também fez com que o partido ficasse cada vez mais dependente de recursos (financeiros, materiais e humanos) para as campanhas eleitorais e, ao mesmo tempo, sustentou as posturas antidemocráticas dos dirigentes nas instâncias de deliberação interna; 4) por fim, devido a essa plena integração ao jogo eleitoral burguês – e, assim, à lógica dos gastos astronômicos com agências de publicidade e cabos eleitorais pagos –, muitos foram envolvidos pelo tráfico de influência e pela corrupção, pois, como para TODOS os outros grandes partidos, devido ao modo como o sistema político está organizado, esse é um caminho praticamente inevitável para a manutenção de muitos quadros no aparato estatal.

Um dos nós dessa situação é que, embora integrado à ordem sociopolítica, o PT não é simplesmente mais um dos partidos da ordem, mas, dentre estes, é justamente aquele que, de modo massivo, levou à cúpula do Estado brasileiro indivíduos oriundos das massas populares. E o mais importante, não apenas oriundos delas como, ainda, são (ou foram) reconhecidos por elas como seus legítimos representantes. Portanto, um partido identificado com projetos políticos que não apenas visa(va)m a atender demandas básicas das massas (o que, em determinadas condições sociopolíticas, um partido tradicional pode fazê-lo), mas que o faz movido por fortes intenções igualitárias. Daí que, para milhões de pessoas, e em meio a múltiplas confusões (e manipulações) que certas ideias padecem nos dias atuais (basta atentar para os nomes e os discursos dos partidos), o PT seja considerado um partido de esquerda. E, não bastasse isso, para alguns outros milhões de indivíduos confusos (mas influentes) da classe média – incentivadores de posturas autocráticas ou, em alguns casos, fascistas –, ele é identificado como um partido “socialista”, “comunista” (Sobre isso, inclusive, a quantidade de aberrações que circulam nas redes sociais é imensa. É assustador o número de pessoas, tidas como inteligentes e informadas, que fundamentam suas opiniões em “memes” da internet, nas reportagens da Veja e do JN, que transformam os posts do Álvaro Dias em fonte de informação, fazem vínculos descontextualizados em relação a Cuba e Venezuela, ou, ainda, lançam a famosa pérola da estupidez política: “o Brasil precisa de bons administradores!”). Por esses e outros motivos, o PT nunca foi (e dificilmente será) um partido em que a burguesia possa ter um grau de confiança tão elevado quanto aquele que, de modo mais adequado, encarna suas demandas políticas e econômicas, o PSDB. Nesse sentido, como apaziguador das insatisfações populares, o PT cumpriu (e, talvez, ainda possa cumprir por mais algum tempo) um importante papel para a burguesia brasileira, especialmente para sua fração mais dependente da intervenção do Estado para proteger o mercado e estimular os investimentos. 

            Nisso tudo, há, porém, uma “pedra no caminho”.

Na década passada, em razão das condições econômicas favoráveis (crescimento econômico, exportações e arrecadação em alta etc.), foi possível conciliar as ações econômicas concernentes aos interesses da burguesia – com ênfase para a referida fração desta classe – com o atendimento de demandas populares, pois, afinal, a elevação da renda e do poder de compra (aumentos dos salários e dos créditos) incentivou muito a acumulação de capital em setores em que há um predomínio (ou, ao menos, forte presença) de capital nacional (serviços em geral, comércio de varejo, construção civil). Nesse contexto, ao fazer concessões econômicas e sociais aos trabalhadores mais pobres (proletários rurais e urbanos de baixa qualificação, desempregados, lumpemproletariado), as quais resultaram em melhorias efetivas em suas condições de vida, o governo Lula obteve amplo apoio popular. Porém, dada a composição de interesses com o grande capital, essas melhorias não se fizeram sentir – ao menos não de modo significativo – entre os trabalhadores de qualificação e remuneração mais elevadas (excetuando alguns, como os beneficiados pela expansão de concursos na administração pública e, em certos casos, pelo crédito, PROUNI e expansão das IES federais). Ao contrário, parcela importante destes passaram a sentir os efeitos – para muitos, negativos – dessa ascensão salarial dos trabalhadores mais pobres, como, por exemplo, a ocupação dos espaços públicos e privados, o aumento da circulação nos transportes e nas vias de trânsito de veículos e a explosão da especulação imobiliária. Ao mesmo tempo, observou-se uma alteração nas próprias necessidades daqueles trabalhadores que ascenderam em seu padrão de vida/consumo, consolidando, entre muitos, um novo perfil de exigências/reivindicações.

Enredado, então, nesse contexto de crise e novas demandas, o governo Dilma manteve e/ou ampliou programas do governo Lula, mas não foi capaz de fazer concessões que atendessem a todo o espectro de trabalhadores e nem de grande parte da pequena-burguesia. Com isso, contradições e insatisfações se acumularam. Parte delas veio à tona em julho do ano passado. Porém, na ausência de alternativas políticas de peso que encampassem as lutas pelas demandas básicas e, muito menos, efetuassem um trabalho de articulação às demandas históricas, fomentando a consciência da necessidade de profundas transformações sociopolíticas, as forças conservadores/reacionárias, a partir de certo momento, prevaleceram. Daí, as comportas que continham as forças de direita racharam e, cada vez mais, com o apoio do próprio PT (tanto pelos abusos cometidos quanto pela histórica e acrítica assunção da rasa bandeira pela ética na política), o discurso moralista contra a corrupção envolveu em “forma nobre” as imundas ondas da reação política, que passaram a conquistar corações e mentes em todos os espectros da classe trabalhadora e da pequena-burguesia.

Pois bem, como possuem uma estrutura socioeconômica mais complexa, diversificada e desenvolvida, e, portanto, contam com uma população que, em termos relativos, não vivenciou, tanto quanto a população do Norte/Nordeste, os impactos positivos das políticas públicas da última década, os efeitos do esgotamento dessas ações distributivas e a ascensão da conservadora onda moralizante foram sentidos primeiro em São Paulo e nos estados adjacentes (Sudeste/Sul). No primeiro turno, seus efeitos eleitorais foram bastante visíveis. E como, de fato, em termos de políticas públicas distributivas, as diferenças entre o PT e o PSDB são mais significativas para as parcelas mais pobres da população, aquele tem enorme dificuldade de se viabilizar eleitoralmente nos estados cuja composição social é menos permeada por aquela profunda e abrangente pobreza estrutural. (Nesse sentido, considero que a eleição de Haddad foi mais a expressão da falência de Kassab e do PSDB na capital do que das virtudes progressistas do PT paulistano. Portanto, nada disso tem qualquer relação com conservadorismo ou progressismo congênitos - cuja admissão, em política, tem efeitos conservadores e desorientadores). Mas, para construir sua viabilidade eleitoral em São Paulo, seriam necessárias ideias e ações políticas mais à esquerda, o que somente poderia ocorrer com maior enraizamento e participação popular nas atividades cotidianas e nas instâncias deliberativas do partido e, também, se o partido sofresse muito mais influência direta daquelas parcelas da classe trabalhadora que, via movimentos populares ou sindicatos, ele exerce alguma influência (ao menos eleitoral). Isso porque, somente assim, o partido poderia acenar com ações políticas mais profundas e de mais amplo espectro populacional (Não cabe, aqui, analisar quais as contradições que, com isso, seriam acionadas em razão da estreiteza econômica de nossa via colonial). 

Nesse sentido, considero que o voto em Dilma não pode estar carregado de expectativas acerca de mudanças profundas nas políticas públicas e nem num possível “giro à esquerda”, por meio do qual o PT viesse a se reconstituir como partido de profundo enraizamento nas lutas cotidianas das massas populares. Para muitos e muitos trabalhadores e pequeno-burgueses, sabendo que, para a recomposição de suas taxas de lucro, o capital terá que endurecer seu combate à organização, à luta e aos direitos dos trabalhadores, o voto em Dilma neste segundo turno expressa a necessidade, de um lado, de derrotar eleitoralmente as forças reacionárias que estão compostas e satisfeitas com Aécio (muitas delas, inclusive, abertamente contrárias às mais elementares conquistas democráticas); de outro, num campo menos desfavorável para as lutas de classes, fortalecer partidos e movimentos em prol da manutenção/aprofundamento dessas conquistas e, por ora, de maneira subsidiária, trabalhar intensamente no sentido da construção da consciência de classe voltada para a emancipação dos trabalhadores – e, por meio dela, humana.

Em suma, na atual conjuntura, o voto em Dilma não significa que o medo deu lugar à esperança, mas que, devido às tenebrosas forças do atraso que estão embrenhadas na outra candidatura, o medo da reação pode tornar um pouco menos difícil a árdua tarefa de trazer à luz, embora não pelo PT, alguma esperança para as forças do trabalho.