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terça-feira, 28 de outubro de 2014

Para além do divisionismo regional, o reconhecimento das divisões em classes

Nas últimas semanas, vi muitas pessoas de bom nível escolar sustentando um discurso moralista do bem contra o mal, dos retos contra os corruptos, dos apaziguadores contra os irresponsáveis incendiários que incitam o ódio de classes.

Neste domingo, com o término da eleição, vi, com certo espanto e curiosidade, essas mesmas pessoas destilarem seu ódio contra os nordestinos e todos aqueles que votaram na candidata petista. Vi afirmações discriminatórias contra os nordestinos, contra os pobres, e, também, pregações pela separação do Sul-Sudeste do Nordeste. Em suma, vi o “bom mocismo” ruir.

Essas pessoas que falam em divisão do país esquecem-se de algo básico: o país está dividido desde seu nascimento, pois a colonização portuguesa deita raízes na exploração/escravidão de indígenas e, sobretudo, da população de origem africana. Não foi o PT que inventou a luta de classes. De fato, ela não é uma invenção e nem o resultado da incitação ao ódio pelos insanos petistas/comunistas. A luta de classes é um aspecto estrutural das sociedades cindidas entre proprietários (dos meios de produção) e não-proprietários. Este é um conhecimento elementar da realidade social, e não apenas entre os cientistas sociais.

Para aqueles que querem um país realmente mais justo, fraterno e unido, trata-se, no imediato, de enfrentar as consequências divisionistas (reais ou ilusórias) impulsionadas pela distribuição dos votos, manifestas nos dilemas petismo e anti-petismo, nortistas e sulistas. Isto, porém, não basta. Os setores/movimentos/partidos de esquerda precisam compreender melhor o país e sua dinâmica política para construir a “unidade possível” – isto é, nucleada pelo proletariado, uma unidade entre as classes subalternas e frações da pequena burguesia/classe média. Unidade para a luta. Unidade para o enfrentamento desses e de nossos problemas estruturais.



Nesse sentido, é fundamental saber que há muitos e muitos desses agentes da transformação – ou seja, de membros das classes subalternas – que votaram em Aécio, Alckmin, Richa etc. e, por conseguinte, estão sob a influência política e ideológica da direita. Portanto, superando o prisma fundamentalmente eleitoreiro e político, urge a necessidade de tratarmos e analisarmos a estruturação das classes, suas articulações socioeconômicas e, assim, suas manifestações e composições políticas para qualificar a intervenção e contribuir com o avanço da consciência de classe.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Eu, a urna, o voto

Neste domingo, estarei novamente exercendo minha cidadania: eu, a urna e, nela, o voto. Ah, que solidão! Não é bastante perceptível que esse ritual da democracia burguesa, controlada e limitada, é, ao seu modo, um empobrecimento da prática democrática? Parece um ritual higienista: todo mundo asséptico, sem panfletos, sem barulho, sem debate, sem... democracia. É o estado zelando pela nossa consciência! E o zelo no ato, a sacralização ritualística, é simplesmente o ápice fetichista de que, ali, estamos decidindo, com a consciência limpa e tranquila, os destinos da nação. Ilusão!

Voto na Dilma! Os motivos? Já escrevi em postagens anteriores. Porém, muito do que ocorrerá a partir deste domingo já foi decidido; não por nós, mas sim pelos poderes econômicos e políticos que sustentam as respectivas candidaturas. Se, como trabalhadores, quisermos, de fato, interferir nos destinos da nação – ou seja, no nosso destino –, temos que, passado este momento modorrento, nos mobilizarmos, ocuparmos as ruas, os espaços públicos e, em nossos locais de trabalho, fomentarmos a mobilização sindical e política. Isto porque é ali, nesses espaços, que, em condições muito mais favoráveis e sustentáveis, poderemos, para além dessa modorra política do capital, dar vida à democracia do trabalho. Esta, afinal, é aquela que mais nos interessa. 


Depois do voto, a luta!

domingo, 12 de outubro de 2014

Você vai votar na Dilma? (intermezzo)

Nos anos 1990, o PT tornou-se um partido profundamente integrado à ordem social e política. Um partido de origem popular, mas, que, em suas constantes transformações, se metamorfoseou em mais um dos partidos burgueses – embora, sem dúvida, não seja um partido burguês tradicional. Nesse processo de adaptação, o trabalho de base foi sendo minimizado/eliminado pelas seguintes e principais razões: 1) a incorporação do partido ao aparato estatal fez das instâncias executivas e parlamentares os mais relevantes centros de deliberação das ações políticas e, principalmente, eleitorais; 2) tal incorporação, fruto da burocratização, também a intensificou, levando milhares e milhares de quadros dos movimentos sindicais e populares a cargos estatais – tornando-os dependentes desses cargos recém-adquiridos para sua sobrevivência econômica, sobretudo quando tal cargo possibilitou a ascensão do padrão de vida desses indivíduos; 3) pelo descolamento e desorganização da base que provocou, a burocratização também fez com que o partido ficasse cada vez mais dependente de recursos (financeiros, materiais e humanos) para as campanhas eleitorais e, ao mesmo tempo, sustentou as posturas antidemocráticas dos dirigentes nas instâncias de deliberação interna; 4) por fim, devido a essa plena integração ao jogo eleitoral burguês – e, assim, à lógica dos gastos astronômicos com agências de publicidade e cabos eleitorais pagos –, muitos foram envolvidos pelo tráfico de influência e pela corrupção, pois, como para TODOS os outros grandes partidos, devido ao modo como o sistema político está organizado, esse é um caminho praticamente inevitável para a manutenção de muitos quadros no aparato estatal.

Um dos nós dessa situação é que, embora integrado à ordem sociopolítica, o PT não é simplesmente mais um dos partidos da ordem, mas, dentre estes, é justamente aquele que, de modo massivo, levou à cúpula do Estado brasileiro indivíduos oriundos das massas populares. E o mais importante, não apenas oriundos delas como, ainda, são (ou foram) reconhecidos por elas como seus legítimos representantes. Portanto, um partido identificado com projetos políticos que não apenas visa(va)m a atender demandas básicas das massas (o que, em determinadas condições sociopolíticas, um partido tradicional pode fazê-lo), mas que o faz movido por fortes intenções igualitárias. Daí que, para milhões de pessoas, e em meio a múltiplas confusões (e manipulações) que certas ideias padecem nos dias atuais (basta atentar para os nomes e os discursos dos partidos), o PT seja considerado um partido de esquerda. E, não bastasse isso, para alguns outros milhões de indivíduos confusos (mas influentes) da classe média – incentivadores de posturas autocráticas ou, em alguns casos, fascistas –, ele é identificado como um partido “socialista”, “comunista” (Sobre isso, inclusive, a quantidade de aberrações que circulam nas redes sociais é imensa. É assustador o número de pessoas, tidas como inteligentes e informadas, que fundamentam suas opiniões em “memes” da internet, nas reportagens da Veja e do JN, que transformam os posts do Álvaro Dias em fonte de informação, fazem vínculos descontextualizados em relação a Cuba e Venezuela, ou, ainda, lançam a famosa pérola da estupidez política: “o Brasil precisa de bons administradores!”). Por esses e outros motivos, o PT nunca foi (e dificilmente será) um partido em que a burguesia possa ter um grau de confiança tão elevado quanto aquele que, de modo mais adequado, encarna suas demandas políticas e econômicas, o PSDB. Nesse sentido, como apaziguador das insatisfações populares, o PT cumpriu (e, talvez, ainda possa cumprir por mais algum tempo) um importante papel para a burguesia brasileira, especialmente para sua fração mais dependente da intervenção do Estado para proteger o mercado e estimular os investimentos. 

            Nisso tudo, há, porém, uma “pedra no caminho”.

Na década passada, em razão das condições econômicas favoráveis (crescimento econômico, exportações e arrecadação em alta etc.), foi possível conciliar as ações econômicas concernentes aos interesses da burguesia – com ênfase para a referida fração desta classe – com o atendimento de demandas populares, pois, afinal, a elevação da renda e do poder de compra (aumentos dos salários e dos créditos) incentivou muito a acumulação de capital em setores em que há um predomínio (ou, ao menos, forte presença) de capital nacional (serviços em geral, comércio de varejo, construção civil). Nesse contexto, ao fazer concessões econômicas e sociais aos trabalhadores mais pobres (proletários rurais e urbanos de baixa qualificação, desempregados, lumpemproletariado), as quais resultaram em melhorias efetivas em suas condições de vida, o governo Lula obteve amplo apoio popular. Porém, dada a composição de interesses com o grande capital, essas melhorias não se fizeram sentir – ao menos não de modo significativo – entre os trabalhadores de qualificação e remuneração mais elevadas (excetuando alguns, como os beneficiados pela expansão de concursos na administração pública e, em certos casos, pelo crédito, PROUNI e expansão das IES federais). Ao contrário, parcela importante destes passaram a sentir os efeitos – para muitos, negativos – dessa ascensão salarial dos trabalhadores mais pobres, como, por exemplo, a ocupação dos espaços públicos e privados, o aumento da circulação nos transportes e nas vias de trânsito de veículos e a explosão da especulação imobiliária. Ao mesmo tempo, observou-se uma alteração nas próprias necessidades daqueles trabalhadores que ascenderam em seu padrão de vida/consumo, consolidando, entre muitos, um novo perfil de exigências/reivindicações.

Enredado, então, nesse contexto de crise e novas demandas, o governo Dilma manteve e/ou ampliou programas do governo Lula, mas não foi capaz de fazer concessões que atendessem a todo o espectro de trabalhadores e nem de grande parte da pequena-burguesia. Com isso, contradições e insatisfações se acumularam. Parte delas veio à tona em julho do ano passado. Porém, na ausência de alternativas políticas de peso que encampassem as lutas pelas demandas básicas e, muito menos, efetuassem um trabalho de articulação às demandas históricas, fomentando a consciência da necessidade de profundas transformações sociopolíticas, as forças conservadores/reacionárias, a partir de certo momento, prevaleceram. Daí, as comportas que continham as forças de direita racharam e, cada vez mais, com o apoio do próprio PT (tanto pelos abusos cometidos quanto pela histórica e acrítica assunção da rasa bandeira pela ética na política), o discurso moralista contra a corrupção envolveu em “forma nobre” as imundas ondas da reação política, que passaram a conquistar corações e mentes em todos os espectros da classe trabalhadora e da pequena-burguesia.

Pois bem, como possuem uma estrutura socioeconômica mais complexa, diversificada e desenvolvida, e, portanto, contam com uma população que, em termos relativos, não vivenciou, tanto quanto a população do Norte/Nordeste, os impactos positivos das políticas públicas da última década, os efeitos do esgotamento dessas ações distributivas e a ascensão da conservadora onda moralizante foram sentidos primeiro em São Paulo e nos estados adjacentes (Sudeste/Sul). No primeiro turno, seus efeitos eleitorais foram bastante visíveis. E como, de fato, em termos de políticas públicas distributivas, as diferenças entre o PT e o PSDB são mais significativas para as parcelas mais pobres da população, aquele tem enorme dificuldade de se viabilizar eleitoralmente nos estados cuja composição social é menos permeada por aquela profunda e abrangente pobreza estrutural. (Nesse sentido, considero que a eleição de Haddad foi mais a expressão da falência de Kassab e do PSDB na capital do que das virtudes progressistas do PT paulistano. Portanto, nada disso tem qualquer relação com conservadorismo ou progressismo congênitos - cuja admissão, em política, tem efeitos conservadores e desorientadores). Mas, para construir sua viabilidade eleitoral em São Paulo, seriam necessárias ideias e ações políticas mais à esquerda, o que somente poderia ocorrer com maior enraizamento e participação popular nas atividades cotidianas e nas instâncias deliberativas do partido e, também, se o partido sofresse muito mais influência direta daquelas parcelas da classe trabalhadora que, via movimentos populares ou sindicatos, ele exerce alguma influência (ao menos eleitoral). Isso porque, somente assim, o partido poderia acenar com ações políticas mais profundas e de mais amplo espectro populacional (Não cabe, aqui, analisar quais as contradições que, com isso, seriam acionadas em razão da estreiteza econômica de nossa via colonial). 

Nesse sentido, considero que o voto em Dilma não pode estar carregado de expectativas acerca de mudanças profundas nas políticas públicas e nem num possível “giro à esquerda”, por meio do qual o PT viesse a se reconstituir como partido de profundo enraizamento nas lutas cotidianas das massas populares. Para muitos e muitos trabalhadores e pequeno-burgueses, sabendo que, para a recomposição de suas taxas de lucro, o capital terá que endurecer seu combate à organização, à luta e aos direitos dos trabalhadores, o voto em Dilma neste segundo turno expressa a necessidade, de um lado, de derrotar eleitoralmente as forças reacionárias que estão compostas e satisfeitas com Aécio (muitas delas, inclusive, abertamente contrárias às mais elementares conquistas democráticas); de outro, num campo menos desfavorável para as lutas de classes, fortalecer partidos e movimentos em prol da manutenção/aprofundamento dessas conquistas e, por ora, de maneira subsidiária, trabalhar intensamente no sentido da construção da consciência de classe voltada para a emancipação dos trabalhadores – e, por meio dela, humana.

Em suma, na atual conjuntura, o voto em Dilma não significa que o medo deu lugar à esperança, mas que, devido às tenebrosas forças do atraso que estão embrenhadas na outra candidatura, o medo da reação pode tornar um pouco menos difícil a árdua tarefa de trazer à luz, embora não pelo PT, alguma esperança para as forças do trabalho.

sábado, 11 de outubro de 2014

Historieta política: – “Você vai votar na Dilma?” (I)

Para muitos – alguns diriam, os mais sensatos e informados –, essa pergunta deveria ter uma resposta óbvia: Não! Isso porque não há dúvida de que petistas cometeram graves delitos em órgãos e empresas estatais. Negar essa apropriação indevida de dinheiro público seria expressão de uma cegueira não apenas ante os argumentos daqueles que se opõem ao governo e ao partido, mas aos próprios fatos e, em termos pessoais, uma desqualificação infundada dos oponentes. Outra parcela, menos expressiva e ocupando uma posição à esquerda no espectro sociopolítico, também considera que não se deve votar em Dilma porque, há muito tempo, o PT tornou-se um dos partidos da ordem, cujas ideias e ações convergem, de modo geral, às das classes dominantes. Para mim, não resta dúvida de que essas duas afirmações são verdadeiras. Como se sabe, muitos defensores do governo e do PT negam uma, outra ou, ainda, as duas. Seriam eles iludidos, equivocados, acríticos ou interessados? Não trataremos, aqui, desta questão. Isso não porque ela seja de pouca importância, mas porque a reflexão que se desenvolve aqui tem outro objetivo, que é apenas responder à pergunta acima: – “Você vai votar na Dilma?”

Para respondê-la, é necessário destacar que, diante dos fatos incontestáveis acima descritos e em meio a indefinições relativas às medidas necessárias para a superação da crise econômica (embora, diga-se, uma crise que não é somente nacional, mas mundial), eu, se fosse um dos membros da classe dominante – e, é claro, dependendo de qual fração dessa classe fosse –, estaria pensando seriamente em votar em Aécio (na verdade, é bastante provável que já tivesse me decidido). Não porque, em razão desta condição social, eu me consideraria inteligente ou teria uma escolaridade acima da média (e, portanto, não seria “desinformado”), mas porque, em termos puramente pragmáticos, meu interesse mais fundamental estaria em jogo – o bolso. Ou melhor, não só o meu interesse, mas o interesse de tantos outros iguais a mim – ou seja, cerca 0,5 % da população brasileira.

Estar no topo da pirâmide social, porém, é algo muito pouco provável (em percentuais, tão pouco quanto, partindo de baixo, chegar até ele). E, sabendo disso, observo um paradoxo interessante: das pessoas que conheço e que defendem tanto a existência da desigualdade social quanto a ascensão pelo mérito, são raras as que ascenderam nessa pirâmide – se é que conheço alguma que, estando lá hoje, não estava desde quando nasceu. Decerto, alguns poderiam simplesmente dizer que é tudo uma questão de tempo. No entanto, como eu e meus amigos não somos propriamente novos, nós, talvez, simplesmente não sejamos inteligentes e/ou não nos tenhamos nos dedicado ou nos sacrificado o suficiente para este qualitativo salto social. Mas, deixando de lado as profundezas dos motivos e ignorâncias individuais – ainda que, cada um tendo seu próprio motivo, o fato coletivo é que são raros os vitoriosos na selva do mercado –, é mais adequado (porque é mais provável) pensar na situação inversa: e se eu estivesse no polo oposto da pirâmide social? Isto é, e se eu fosse pobre o suficiente para ser membro de uma dessas 20 milhões de famílias que recebem a Bolsa-família ou foram beneficiadas pelo PROUNI ou, então, pelo programa Minha Casa Minha Vida? E mais, e se, neste caso, eu também não vislumbrasse qualquer alternativa política e/ou eleitoral mais consistente e promissora? Confesso que, nesta situação, haveria uma grande possibilidade de que, mesmo que por motivos puramente pragmáticos, eu votasse na Dilma. Penso, inclusive, que eu também teria (e tenho) o direito de ser pragmático. Ou, ao contrário do pragmatismo daquele 0,5%, o meu pragmatismo seria o resultado da inépcia e da manipulação alheia? Se for isto, por que, então, o deles é considerado uma manifestação de inteligência? Seria porque, em razão dos preconceitos reinantes, o único pragmatismo válido é o dos ricos? Sei lá! Sei apenas que, por motivo semelhante, também votaria na Dilma se fosse um dos 21 milhões de aposentados que recebem salário mínimo e que, nos últimos 12 anos, tiveram aumento de 70% (em termos reais) em seus rendimentos. E, ainda, acho que votaria se fosse um dos milhões de trabalhadores assalariados que ganham salário mínimo (ou próximo dele) e que, num contexto de enormes dificuldades de organização sindical, tiveram seus rendimentos elevados pela política de valorização do piso salarial na última década – política, afinal, dos governos petistas.

Sobre essas escolhas, eu gostaria de destacar que, com elas, eu não estaria dizendo (como não estou) que problemas não existem. Na verdade, eles existem, são muitos e são graves. Sobre isso, basta um breve olhar para a precariedade dos serviços públicos, da repressão policial e judiciária, das carências materiais e culturais, da violência urbana e do stress provocado pelo caos cotidiano das grandes cidades – além, é claro, do mais fundamental de todos, a permanência da (super)exploração do trabalho. Diante disso, meu voto poderia parecer pura e simples resignação, pois eu ainda acrescentaria o seguinte fato: esses problemas não surgiram agora, mas vêm de há muito tempo. Por conseguinte, se eles perpassam décadas ou séculos, a simples constatação de sua existência não seria suficiente para me empurrar automaticamente para uma candidatura identificada com os interesses dos mais ricos. Isso porque, como é até mesmo do saber infantil, o fato de não gostar muito disso não significa que, inevitavelmente, eu tenha que gostar daquilo. Em política, neste momento, temos uma situação parecida: o desgosto em relação a um determinado indivíduo/partido (no caso, Dilma/PT) não implicaria (e realmente não implica) o desejo de trocá-lo por outro (no caso, Aécio/PSDB), sobretudo se, em relação aos meus interesses, este outro não tivesse boas referências e, por isso, não me inspirasse confiança. Pois, aí, não haveria nenhuma evidência de que ele iria resolver os problemas que aquele não conseguiu (ou não tentou); pior, ainda poderia colocar em risco algumas das minhas poucas conquistas.

Em suma, sem outros mundos/sociedades a vislumbrar, aprisionado ao presente e – por menores que sejam – temeroso de perder alguns direitos arduamente conquistados, tais motivos me pareceriam suficientes para, como indivíduo pobre e pragmático, alicerçar o desejo de manutenção do governo atual. Nesse caso, eu provavelmente votaria Dilma, votaria 13.
O fato, porém, é que, para o bem ou para o mal – e, como vimos, de acordo com o discurso do mérito, por incompetência ou leviandade –, não faço parte daquele 0,5% de endinheirados que, trabalhem ou não, se apropriam da riqueza resultante do trabalho alheio. Igualmente, também não pertenço aos milhões de brasileiros pobres que dependem de algum auxílio estatal para satisfazer algumas de suas necessidades mais básicas. Como tantos milhões de brasileiros, sou daqueles que vivem somente do próprio trabalho (ou porque vendem a força de trabalho ou, em menor número, porque trabalham por conta própria) e, ao menos dos listados acima – isto é, para necessidades básicas –, prescindem do auxílio estatal. Sou, então, um tipo bastante comum: professor, bancário, funcionário público, técnico em informática; ou, ainda, tenho algum negócio próprio: sou médico, advogado, pequeno lojista, dono de boteco. Em suma, estou bastante espalhado por aí e, ainda, tenho certos meios e capacidades que me qualificam como um “formador de opinião” – ou seja, alguém capaz de ajudar outras pessoas a se posicionar sobre certos assuntos.

Sendo, então, este tipo comum, pergunto: quais motivos eu teria para votar em Aécio? Pelo que alguns dizem por aí, deveria votar nele porque a corrupção está instalada no governo atual. Eis, de fato, um bom motivo. No entanto, como sou minimamente informado, sei de duas coisas importantes que me deixam em dúvida: 1) a corrupção não é um problema ocasional, fortuito, mas estrutural do nosso país (e não só), e que, portanto, está inscrita há séculos no modo de organizar e fazer política. Lembro-me, inclusive, que, desde criança, os noticiários vivem repletos de casos desta natureza. Os escândalos da época da ditadura (Capemi, Coroa-Brastel, Lutfalla, Baumgarten, Tucuruí, Banco Econômico, Transamazônica, Ponte Rio-Niterói) – que, de fato, foram pouco investigados porque, na época, não existiam, nem formalmente, as tais liberdade de imprensa e independência dos poderes –, dos governos Sarney, Collor, Itamar e FHC (compra de votos para reeleição, Marka, Sivam), dentre tantos outros; 2) embora eu seja um tipo comum, não sou tão ingênuo quanto pareço e, por isso, não creio que um problema com raízes tão profundas na história e nas instituições do país possa ser resolvido por declarações de boa vontade de qualquer candidato. Pois, não bastasse o PT, lembro-me de tantos outros que fizeram promessas idênticas: desde os tempos do PSD e da UDN e, depois, da abjeta ARENA, passando pelas últimas décadas e instâncias governamentais, chafurdaram na lama da corrupção praticamente todos os grandes partidos – PSDB, PP, PMDB, DEM, PSD. E, ainda, me informo sobre os doadores que financiam as campanhas atuais, que, como sabem, são principalmente as empreiteiras e os bancos. Diante disso, alguém duvida de que, mais adiante, essas empresas cobrarão os compromissos daqueles que elas apoiaram? E que, por sua vez, muitas “excelências” trocarão favores com o executivo (em todas as instâncias) em prol da famosa governabilidade?

Num momento de lucidez, abafando a raiva e a intolerância direitista à reflexão, muitos críticos empedernidos do governo atual poderiam até concordar com minha argumentação (ou, então, apresentar outros argumentos para a discussão). Mas, além dos xingamentos corriqueiros, algum deles, com certa razão, poderia dizer: – “Você deveria votar no Aécio porque a economia vai mal e isto te afeta diretamente”. De fato, sendo eu esta pessoa comum e pensando de modo pragmático, eis outro bom motivo pelo qual este candidato poderia levar meu voto. Porém, como aprendi na escola que se deve cultivar a dúvida, há, no entanto, mais dois aspectos importantes que me desestimulam a dá-lo: 1) nem mesmo Poliana sonha que os governos – sejam eles quais forem – têm absoluto controle sobre os ciclos econômicos. Se fosse assim, o crescimento econômico seria uma simples questão de vontade e de competência. E, afora certos comentaristas da CBN e da Globonews, nem o mais inepto dos economistas defenderia isto; 2) como o crescimento ou a crise econômica não são processos abstratos, mas concretos, eles podem ocorrer com maiores ou menores consequências sociais (positivas ou negativas). E, aqui, temos uma situação rara, senão única, na história brasileira: em razão das políticas públicas de aumento da renda dos mais pobres, a crise (que não é brasileira, mas mundial) não tem se desdobrado em taxas elevadas de desemprego (5,8%), como ocorreu nos governos Collor (1991-2: 7,2%) e FHC (1999:12%; 2002: 12,2%). No mais, como as taxas de desemprego têm efeitos sobre as relações sociais, eu, mesmo não estando desempregado, acho que estaria sofrendo mais – com a violência urbana, por exemplo – se elas estivessem nos níveis da década de 1990.

Outro motivo ainda poderia me empurrar à urna e votar 45: não a positividade da candidatura de Aécio, mas, ao contrário, uma negatividade, a minha fúria com a corrupção e a incompetência dos petistas. No entanto, ocorre que, dada a minha descrença de que esta situação possa ser alterada por meio de uma simples troca de governo – esteja Aécio ou qualquer outro no Planalto –, tal voto seria apenas uma vingança pessoal contra “PTralhas” e “comunistas”. Isso, porém, me desqualificaria, tendo em vista que estaria esmagando a mesma justiça que invoco para, com seus critérios equânimes, punir e educar os infratores. Utilizando-me de dois pesos e duas medidas, estaria, como muitos – inclusive os que julgo criminosos –, sendo absolutamente falso, um mau caráter. Por isso, para salvar a minha consciência – e certos direitos dos mais pobres –, jamais poderia votar em Aécio Neves.


Enfim, talvez eu não seja tão bem informado quanto algumas pessoas que declaram seus elevados motivos pelas redes sociais para não votar em Dilma e, em consonância, resolveram abraçar a causa anticorrupção e, nela, escolher como seu baluarte o presidenciável Aécio Neves. Argumentos longos e complexos como: “O PT vai transformar o Brasil numa Cuba!” “Estamos virando uma nova Venezuela!” “Abaixo a CLT para domésticas!” “Tradição, família e propriedade!” “Abaixo os médicos cubanos”! “(Ah, estes últimos não valem, pois, se não forem médicos, são pessoas que têm planos de saúde e, por isso, só procuram o SUS para procedimentos caros, complexos ou, então, para pegar, gratuitamente, medicamentos de alto custo). Mas, não sendo tão tosco como alguns supõem, eu, pelos motivos expostos acima, não estou convencido de que votar em Aécio seja uma boa opção – isso, talvez, porque sou um tipo comum.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Contra o moralismo

 Num tempo de loucos, no qual a ruína das utopias tem eternizado o presente, os justos anseios pelo fim do mau uso dos recursos públicos têm sido envolvidos pelo ódio e bestialidade dos xingamentos, pelo moralismo tacanho e, entre trabalhadores e pequeno-burgueses, têm provocado a cegueira ante o sentido das mudanças em curso. Cada vez mais, o justo sentimento contra a corrupção une-se às causas mais espúrias, da aversão à manutenção/ampliação dos direitos civis (por exemplo, os casamentos de homossexuais) e sociais (cotas, programas assistenciais) à explícita apologia dos governos ditatoriais, numa clara rejeição das nossas (poucas) conquistas democráticas (os saudosistas da ditadura que elegeram Bolsonaro, Heinze e similares). Nesse claro-escuro ideológico, os verdadeiros problemas do país (a concentração da propriedade e da riqueza, a subalternidade técnica e financeira aos capitais dos países centrais, a autocracia do aparato estatal, entre outros) são encobertos pela cortina de fumaça da “corrupção” e da “incompetência”, desviando a atenção de muitos e desperdiçando forças políticas que poderiam ser utilizadas em prol de mudanças reais e fundamentais. E o pior é que, com isso, observa-se um triste cenário em que trabalhadores, negros, homossexuais, pobres indivíduos religiosos das periferias e tantos outros oprimidos e explorados têm aderido acriticamente à marcha moralizante (manifesta em sua ode à “família”) sem, de modo geral, se aperceberem que, por não atacar os fundamentos da corrupção – o Estado burguês e a ordem do capital que o sustenta –, tal moralismo os tem, na esfera política, como suas principais vítimas em potencial.

Diante disso, há que se destacar também que, além desses motivos mais estruturais, existem outros – por assim dizer, mais conjunturais – que têm levado o moralismo a ocupar um lugar de destaque nessas eleições: 1) os escândalos de corrupção que, desde o famoso “mensalão”, têm sido um tormento nos/dos governos petistas; 2) o fato de escândalos como este estarem ocorrendo num partido que sempre se postou ostensivamente contra esta prática tão comum aos tradicionais partidos burgueses; 3) como cristão novo na administração federal – e mais, um cristão novo que, à sacrossanta basílica do Estado, levou indefectíveis “cheiros” e “trejeitos” populares –, seus pecados – veniais entre os antigos cardeais políticos do capital – se tornaram pecados mortais; 4) ante a incapacidade de, sob a regência do capital (e mais, num país periférico), vislumbrarmos soluções substantivas aos problemas sociais, qualquer política pública de verniz democratizante e distributivista tem que ser estigmatizada como “comunista” (daí, por exemplo, a pletora de ignaros que enchem o peito para xingar e/ou identificar os petistas como comunistas). Ocorre que, no quesito corrupção, praticamente todos os “partidos da ordem” carregam os bônus e os ônus da venda de suas indulgências (ou salvo-condutos) às finanças públicas. Do DEM ao PT, passando por PSDB, PMDB, PSB, PPS etc., todos os apoiadores da ordem do capital têm suas consciências pesadas pela adoração inconteste ao moderno Baal – o dinheiro.

Nesse contexto de complexos problemas, então, nada mais impróprio do que orientar as escolhas políticas por este ou aquele partido, este ou aquele candidato, em razão de suas promessas de “moralização” da máquina estatal – a não ser, é claro, que as escolhas sejam animadas pelo sentimento de vingança (contra uns) e a complacência (para com outros). Postura que cai bem para o moralista, mas que passa muito longe da ética e do senso de justiça que, curiosamente, ele tanto vocifera. Mas, porém, se não é um problema conjuntural, mas estrutural, não podendo ser resolvida por medidas administrativas deste ou daquele partido, a corrupção (ou o discurso contra ela) não pode se constituir no critério orientador do voto. O que não significa, de modo algum, complacência para com tão grave problema; significa apenas o reconhecimento do lugar que lhe é devido – isto é, subordinado a problemas maiores e mais substanciais.

Para os trabalhadores (e, até mesmo, para frações da pequena-burguesia), essas eleições – como todas as outras – devem servir como meio/momento de acúmulo de forças para lutas mais árduas e conquistas mais duradouras. Embora, na difícil conjuntura atual, o objetivo imediato seja salvaguardar os direitos trabalhistas, sociais e políticos conquistados. É este o critério que, rompendo as brumas do moralismo, os trabalhadores devem se apoiar em suas escolhas. Sendo assim, lembro que temos, de um lado, a candidatura pessedebista de Aécio Neves, que conta com as frações da burguesia mais articuladas ao capital internacional, e que, portanto, é declaradamente avessa às regulações estatais que, segundo os membros destas frações, oneram as empresas e limitam o movimento dos capitais e a concorrência entre os trabalhadores. De outro, a candidatura da petista Dilma, que, numa composição de forças em que o peso da grande burguesia industrial de matriz nacional é mais acentuado, a regulação estatal é mais presente, sendo, então, menos afeita a desregulamentações que venham a promover o “salve-se quem puder” da selvageria mercantil, tanto entre os capitais quanto entre os trabalhadores. Não se trata, portanto, de uma candidatura do capital (PSDB) contra outra que, ao seu modo, representa o trabalho (PT), nem, muito menos, dos técnicos competentes e bonzinhos que, de terno e gravata, administram bem e combatem a corrupção contra os maldosos e incompetentes sindicalistas que, corrompidos pelas benesses do poder, inauguraram a era da malversação dos recursos públicos no Estado brasileiro. Deixemos a simplificação inepta, o maniqueísmo e a miopia para os religiosos. Em política, não há santos nem demônios. Nesta disputa, ambas são candidaturas condizentes com os interesses do capital. Por isso, para os trabalhadores, trata-se de avaliar qual delas é menos desfavorável à execução das ações concernentes às suas lutas sindicais e políticas. Ou, ainda, se não for nenhuma das duas, qual é o posicionamento mais adequado a ser tomado neste momento.


Como não sou adepto do quanto pior (em termos sociais) melhor (para as lutas do trabalho), considero que um voto crítico na Dilma – mas muito crítico mesmo, com pressões e exigências – é o que, em termos eleitorais, os trabalhadores podem fazer neste momento.