Num
tempo de loucos, no qual a ruína das utopias tem eternizado o presente, os
justos anseios pelo fim do mau uso dos recursos públicos têm sido envolvidos
pelo ódio e bestialidade dos xingamentos, pelo moralismo tacanho e, entre
trabalhadores e pequeno-burgueses, têm provocado a cegueira ante o sentido das
mudanças em curso. Cada vez mais, o justo sentimento contra a corrupção une-se
às causas mais espúrias, da aversão à manutenção/ampliação dos direitos civis
(por exemplo, os casamentos de homossexuais) e sociais (cotas, programas
assistenciais) à explícita apologia dos governos ditatoriais, numa clara
rejeição das nossas (poucas) conquistas democráticas (os saudosistas da
ditadura que elegeram Bolsonaro, Heinze e similares). Nesse claro-escuro
ideológico, os verdadeiros problemas do país (a concentração da propriedade e
da riqueza, a subalternidade técnica e financeira aos capitais dos países
centrais, a autocracia do aparato estatal, entre outros) são encobertos pela
cortina de fumaça da “corrupção” e da “incompetência”, desviando a atenção de
muitos e desperdiçando forças políticas que poderiam ser utilizadas em prol de
mudanças reais e fundamentais. E o pior é que, com isso, observa-se um triste
cenário em que trabalhadores, negros, homossexuais, pobres indivíduos
religiosos das periferias e tantos outros oprimidos e explorados têm aderido
acriticamente à marcha moralizante (manifesta em sua ode à “família”) sem, de
modo geral, se aperceberem que, por não atacar os fundamentos da corrupção – o
Estado burguês e a ordem do capital que o sustenta –, tal moralismo os tem, na
esfera política, como suas principais vítimas em potencial.
Diante
disso, há que se destacar também que, além desses motivos mais estruturais,
existem outros – por assim dizer, mais conjunturais – que têm levado o
moralismo a ocupar um lugar de destaque nessas eleições: 1) os escândalos de
corrupção que, desde o famoso “mensalão”, têm sido um tormento nos/dos governos
petistas; 2) o fato de escândalos como este estarem ocorrendo num partido que
sempre se postou ostensivamente contra esta prática tão comum aos tradicionais
partidos burgueses; 3) como cristão novo na administração federal – e mais, um
cristão novo que, à sacrossanta basílica do Estado, levou indefectíveis
“cheiros” e “trejeitos” populares –, seus pecados – veniais entre os antigos
cardeais políticos do capital – se tornaram pecados mortais; 4) ante a
incapacidade de, sob a regência do capital (e mais, num país periférico),
vislumbrarmos soluções substantivas aos problemas sociais, qualquer política
pública de verniz democratizante e distributivista tem que ser estigmatizada
como “comunista” (daí, por exemplo, a pletora de ignaros que enchem o peito
para xingar e/ou identificar os petistas como comunistas). Ocorre que, no quesito
corrupção, praticamente todos os “partidos da ordem” carregam os bônus e os
ônus da venda de suas indulgências (ou salvo-condutos) às finanças públicas. Do
DEM ao PT, passando por PSDB, PMDB, PSB, PPS etc., todos os apoiadores da ordem
do capital têm suas consciências pesadas pela adoração inconteste ao moderno
Baal – o dinheiro.
Nesse
contexto de complexos problemas, então, nada mais impróprio do que orientar as
escolhas políticas por este ou aquele partido, este ou aquele candidato, em
razão de suas promessas de “moralização” da máquina estatal – a não ser, é
claro, que as escolhas sejam animadas pelo sentimento de vingança (contra uns)
e a complacência (para com outros). Postura que cai bem para o moralista, mas
que passa muito longe da ética e do senso de justiça que, curiosamente, ele
tanto vocifera. Mas, porém, se não é um problema conjuntural, mas estrutural,
não podendo ser resolvida por medidas administrativas deste ou daquele partido,
a corrupção (ou o discurso contra ela) não pode se constituir no critério
orientador do voto. O que não significa, de modo algum, complacência para com
tão grave problema; significa apenas o reconhecimento do lugar que lhe é devido
– isto é, subordinado a problemas maiores e mais substanciais.
Para
os trabalhadores (e, até mesmo, para frações da pequena-burguesia), essas
eleições – como todas as outras – devem servir como meio/momento de acúmulo de
forças para lutas mais árduas e conquistas mais duradouras. Embora, na difícil
conjuntura atual, o objetivo imediato seja salvaguardar os direitos
trabalhistas, sociais e políticos conquistados. É este o critério que, rompendo
as brumas do moralismo, os trabalhadores devem se apoiar em suas escolhas.
Sendo assim, lembro que temos, de um lado, a candidatura pessedebista de Aécio
Neves, que conta com as frações da burguesia mais articuladas ao capital
internacional, e que, portanto, é declaradamente avessa às regulações estatais
que, segundo os membros destas frações, oneram as empresas e limitam o
movimento dos capitais e a concorrência entre os trabalhadores. De outro, a
candidatura da petista Dilma, que, numa composição de forças em que o peso da
grande burguesia industrial de matriz nacional é mais acentuado, a regulação
estatal é mais presente, sendo, então, menos afeita a desregulamentações que
venham a promover o “salve-se quem puder” da selvageria mercantil, tanto entre
os capitais quanto entre os trabalhadores. Não se trata, portanto, de uma
candidatura do capital (PSDB) contra outra que, ao seu modo, representa o trabalho
(PT), nem, muito menos, dos técnicos competentes e bonzinhos que, de terno e
gravata, administram bem e combatem a corrupção contra os maldosos e
incompetentes sindicalistas que, corrompidos pelas benesses do poder,
inauguraram a era da malversação dos recursos públicos no Estado brasileiro.
Deixemos a simplificação inepta, o maniqueísmo e a miopia para os religiosos.
Em política, não há santos nem demônios. Nesta disputa, ambas são candidaturas
condizentes com os interesses do capital. Por isso, para os trabalhadores,
trata-se de avaliar qual delas é menos desfavorável à execução das ações
concernentes às suas lutas sindicais e políticas. Ou, ainda, se não for nenhuma
das duas, qual é o posicionamento mais adequado a ser tomado neste momento.
Como
não sou adepto do quanto pior (em termos sociais) melhor (para as lutas do
trabalho), considero que um voto crítico na Dilma – mas muito crítico mesmo,
com pressões e exigências – é o que, em termos eleitorais, os trabalhadores
podem fazer neste momento.
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