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sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Contra o moralismo

 Num tempo de loucos, no qual a ruína das utopias tem eternizado o presente, os justos anseios pelo fim do mau uso dos recursos públicos têm sido envolvidos pelo ódio e bestialidade dos xingamentos, pelo moralismo tacanho e, entre trabalhadores e pequeno-burgueses, têm provocado a cegueira ante o sentido das mudanças em curso. Cada vez mais, o justo sentimento contra a corrupção une-se às causas mais espúrias, da aversão à manutenção/ampliação dos direitos civis (por exemplo, os casamentos de homossexuais) e sociais (cotas, programas assistenciais) à explícita apologia dos governos ditatoriais, numa clara rejeição das nossas (poucas) conquistas democráticas (os saudosistas da ditadura que elegeram Bolsonaro, Heinze e similares). Nesse claro-escuro ideológico, os verdadeiros problemas do país (a concentração da propriedade e da riqueza, a subalternidade técnica e financeira aos capitais dos países centrais, a autocracia do aparato estatal, entre outros) são encobertos pela cortina de fumaça da “corrupção” e da “incompetência”, desviando a atenção de muitos e desperdiçando forças políticas que poderiam ser utilizadas em prol de mudanças reais e fundamentais. E o pior é que, com isso, observa-se um triste cenário em que trabalhadores, negros, homossexuais, pobres indivíduos religiosos das periferias e tantos outros oprimidos e explorados têm aderido acriticamente à marcha moralizante (manifesta em sua ode à “família”) sem, de modo geral, se aperceberem que, por não atacar os fundamentos da corrupção – o Estado burguês e a ordem do capital que o sustenta –, tal moralismo os tem, na esfera política, como suas principais vítimas em potencial.

Diante disso, há que se destacar também que, além desses motivos mais estruturais, existem outros – por assim dizer, mais conjunturais – que têm levado o moralismo a ocupar um lugar de destaque nessas eleições: 1) os escândalos de corrupção que, desde o famoso “mensalão”, têm sido um tormento nos/dos governos petistas; 2) o fato de escândalos como este estarem ocorrendo num partido que sempre se postou ostensivamente contra esta prática tão comum aos tradicionais partidos burgueses; 3) como cristão novo na administração federal – e mais, um cristão novo que, à sacrossanta basílica do Estado, levou indefectíveis “cheiros” e “trejeitos” populares –, seus pecados – veniais entre os antigos cardeais políticos do capital – se tornaram pecados mortais; 4) ante a incapacidade de, sob a regência do capital (e mais, num país periférico), vislumbrarmos soluções substantivas aos problemas sociais, qualquer política pública de verniz democratizante e distributivista tem que ser estigmatizada como “comunista” (daí, por exemplo, a pletora de ignaros que enchem o peito para xingar e/ou identificar os petistas como comunistas). Ocorre que, no quesito corrupção, praticamente todos os “partidos da ordem” carregam os bônus e os ônus da venda de suas indulgências (ou salvo-condutos) às finanças públicas. Do DEM ao PT, passando por PSDB, PMDB, PSB, PPS etc., todos os apoiadores da ordem do capital têm suas consciências pesadas pela adoração inconteste ao moderno Baal – o dinheiro.

Nesse contexto de complexos problemas, então, nada mais impróprio do que orientar as escolhas políticas por este ou aquele partido, este ou aquele candidato, em razão de suas promessas de “moralização” da máquina estatal – a não ser, é claro, que as escolhas sejam animadas pelo sentimento de vingança (contra uns) e a complacência (para com outros). Postura que cai bem para o moralista, mas que passa muito longe da ética e do senso de justiça que, curiosamente, ele tanto vocifera. Mas, porém, se não é um problema conjuntural, mas estrutural, não podendo ser resolvida por medidas administrativas deste ou daquele partido, a corrupção (ou o discurso contra ela) não pode se constituir no critério orientador do voto. O que não significa, de modo algum, complacência para com tão grave problema; significa apenas o reconhecimento do lugar que lhe é devido – isto é, subordinado a problemas maiores e mais substanciais.

Para os trabalhadores (e, até mesmo, para frações da pequena-burguesia), essas eleições – como todas as outras – devem servir como meio/momento de acúmulo de forças para lutas mais árduas e conquistas mais duradouras. Embora, na difícil conjuntura atual, o objetivo imediato seja salvaguardar os direitos trabalhistas, sociais e políticos conquistados. É este o critério que, rompendo as brumas do moralismo, os trabalhadores devem se apoiar em suas escolhas. Sendo assim, lembro que temos, de um lado, a candidatura pessedebista de Aécio Neves, que conta com as frações da burguesia mais articuladas ao capital internacional, e que, portanto, é declaradamente avessa às regulações estatais que, segundo os membros destas frações, oneram as empresas e limitam o movimento dos capitais e a concorrência entre os trabalhadores. De outro, a candidatura da petista Dilma, que, numa composição de forças em que o peso da grande burguesia industrial de matriz nacional é mais acentuado, a regulação estatal é mais presente, sendo, então, menos afeita a desregulamentações que venham a promover o “salve-se quem puder” da selvageria mercantil, tanto entre os capitais quanto entre os trabalhadores. Não se trata, portanto, de uma candidatura do capital (PSDB) contra outra que, ao seu modo, representa o trabalho (PT), nem, muito menos, dos técnicos competentes e bonzinhos que, de terno e gravata, administram bem e combatem a corrupção contra os maldosos e incompetentes sindicalistas que, corrompidos pelas benesses do poder, inauguraram a era da malversação dos recursos públicos no Estado brasileiro. Deixemos a simplificação inepta, o maniqueísmo e a miopia para os religiosos. Em política, não há santos nem demônios. Nesta disputa, ambas são candidaturas condizentes com os interesses do capital. Por isso, para os trabalhadores, trata-se de avaliar qual delas é menos desfavorável à execução das ações concernentes às suas lutas sindicais e políticas. Ou, ainda, se não for nenhuma das duas, qual é o posicionamento mais adequado a ser tomado neste momento.


Como não sou adepto do quanto pior (em termos sociais) melhor (para as lutas do trabalho), considero que um voto crítico na Dilma – mas muito crítico mesmo, com pressões e exigências – é o que, em termos eleitorais, os trabalhadores podem fazer neste momento.

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