Total de visualizações de página

domingo, 12 de outubro de 2014

Você vai votar na Dilma? (intermezzo)

Nos anos 1990, o PT tornou-se um partido profundamente integrado à ordem social e política. Um partido de origem popular, mas, que, em suas constantes transformações, se metamorfoseou em mais um dos partidos burgueses – embora, sem dúvida, não seja um partido burguês tradicional. Nesse processo de adaptação, o trabalho de base foi sendo minimizado/eliminado pelas seguintes e principais razões: 1) a incorporação do partido ao aparato estatal fez das instâncias executivas e parlamentares os mais relevantes centros de deliberação das ações políticas e, principalmente, eleitorais; 2) tal incorporação, fruto da burocratização, também a intensificou, levando milhares e milhares de quadros dos movimentos sindicais e populares a cargos estatais – tornando-os dependentes desses cargos recém-adquiridos para sua sobrevivência econômica, sobretudo quando tal cargo possibilitou a ascensão do padrão de vida desses indivíduos; 3) pelo descolamento e desorganização da base que provocou, a burocratização também fez com que o partido ficasse cada vez mais dependente de recursos (financeiros, materiais e humanos) para as campanhas eleitorais e, ao mesmo tempo, sustentou as posturas antidemocráticas dos dirigentes nas instâncias de deliberação interna; 4) por fim, devido a essa plena integração ao jogo eleitoral burguês – e, assim, à lógica dos gastos astronômicos com agências de publicidade e cabos eleitorais pagos –, muitos foram envolvidos pelo tráfico de influência e pela corrupção, pois, como para TODOS os outros grandes partidos, devido ao modo como o sistema político está organizado, esse é um caminho praticamente inevitável para a manutenção de muitos quadros no aparato estatal.

Um dos nós dessa situação é que, embora integrado à ordem sociopolítica, o PT não é simplesmente mais um dos partidos da ordem, mas, dentre estes, é justamente aquele que, de modo massivo, levou à cúpula do Estado brasileiro indivíduos oriundos das massas populares. E o mais importante, não apenas oriundos delas como, ainda, são (ou foram) reconhecidos por elas como seus legítimos representantes. Portanto, um partido identificado com projetos políticos que não apenas visa(va)m a atender demandas básicas das massas (o que, em determinadas condições sociopolíticas, um partido tradicional pode fazê-lo), mas que o faz movido por fortes intenções igualitárias. Daí que, para milhões de pessoas, e em meio a múltiplas confusões (e manipulações) que certas ideias padecem nos dias atuais (basta atentar para os nomes e os discursos dos partidos), o PT seja considerado um partido de esquerda. E, não bastasse isso, para alguns outros milhões de indivíduos confusos (mas influentes) da classe média – incentivadores de posturas autocráticas ou, em alguns casos, fascistas –, ele é identificado como um partido “socialista”, “comunista” (Sobre isso, inclusive, a quantidade de aberrações que circulam nas redes sociais é imensa. É assustador o número de pessoas, tidas como inteligentes e informadas, que fundamentam suas opiniões em “memes” da internet, nas reportagens da Veja e do JN, que transformam os posts do Álvaro Dias em fonte de informação, fazem vínculos descontextualizados em relação a Cuba e Venezuela, ou, ainda, lançam a famosa pérola da estupidez política: “o Brasil precisa de bons administradores!”). Por esses e outros motivos, o PT nunca foi (e dificilmente será) um partido em que a burguesia possa ter um grau de confiança tão elevado quanto aquele que, de modo mais adequado, encarna suas demandas políticas e econômicas, o PSDB. Nesse sentido, como apaziguador das insatisfações populares, o PT cumpriu (e, talvez, ainda possa cumprir por mais algum tempo) um importante papel para a burguesia brasileira, especialmente para sua fração mais dependente da intervenção do Estado para proteger o mercado e estimular os investimentos. 

            Nisso tudo, há, porém, uma “pedra no caminho”.

Na década passada, em razão das condições econômicas favoráveis (crescimento econômico, exportações e arrecadação em alta etc.), foi possível conciliar as ações econômicas concernentes aos interesses da burguesia – com ênfase para a referida fração desta classe – com o atendimento de demandas populares, pois, afinal, a elevação da renda e do poder de compra (aumentos dos salários e dos créditos) incentivou muito a acumulação de capital em setores em que há um predomínio (ou, ao menos, forte presença) de capital nacional (serviços em geral, comércio de varejo, construção civil). Nesse contexto, ao fazer concessões econômicas e sociais aos trabalhadores mais pobres (proletários rurais e urbanos de baixa qualificação, desempregados, lumpemproletariado), as quais resultaram em melhorias efetivas em suas condições de vida, o governo Lula obteve amplo apoio popular. Porém, dada a composição de interesses com o grande capital, essas melhorias não se fizeram sentir – ao menos não de modo significativo – entre os trabalhadores de qualificação e remuneração mais elevadas (excetuando alguns, como os beneficiados pela expansão de concursos na administração pública e, em certos casos, pelo crédito, PROUNI e expansão das IES federais). Ao contrário, parcela importante destes passaram a sentir os efeitos – para muitos, negativos – dessa ascensão salarial dos trabalhadores mais pobres, como, por exemplo, a ocupação dos espaços públicos e privados, o aumento da circulação nos transportes e nas vias de trânsito de veículos e a explosão da especulação imobiliária. Ao mesmo tempo, observou-se uma alteração nas próprias necessidades daqueles trabalhadores que ascenderam em seu padrão de vida/consumo, consolidando, entre muitos, um novo perfil de exigências/reivindicações.

Enredado, então, nesse contexto de crise e novas demandas, o governo Dilma manteve e/ou ampliou programas do governo Lula, mas não foi capaz de fazer concessões que atendessem a todo o espectro de trabalhadores e nem de grande parte da pequena-burguesia. Com isso, contradições e insatisfações se acumularam. Parte delas veio à tona em julho do ano passado. Porém, na ausência de alternativas políticas de peso que encampassem as lutas pelas demandas básicas e, muito menos, efetuassem um trabalho de articulação às demandas históricas, fomentando a consciência da necessidade de profundas transformações sociopolíticas, as forças conservadores/reacionárias, a partir de certo momento, prevaleceram. Daí, as comportas que continham as forças de direita racharam e, cada vez mais, com o apoio do próprio PT (tanto pelos abusos cometidos quanto pela histórica e acrítica assunção da rasa bandeira pela ética na política), o discurso moralista contra a corrupção envolveu em “forma nobre” as imundas ondas da reação política, que passaram a conquistar corações e mentes em todos os espectros da classe trabalhadora e da pequena-burguesia.

Pois bem, como possuem uma estrutura socioeconômica mais complexa, diversificada e desenvolvida, e, portanto, contam com uma população que, em termos relativos, não vivenciou, tanto quanto a população do Norte/Nordeste, os impactos positivos das políticas públicas da última década, os efeitos do esgotamento dessas ações distributivas e a ascensão da conservadora onda moralizante foram sentidos primeiro em São Paulo e nos estados adjacentes (Sudeste/Sul). No primeiro turno, seus efeitos eleitorais foram bastante visíveis. E como, de fato, em termos de políticas públicas distributivas, as diferenças entre o PT e o PSDB são mais significativas para as parcelas mais pobres da população, aquele tem enorme dificuldade de se viabilizar eleitoralmente nos estados cuja composição social é menos permeada por aquela profunda e abrangente pobreza estrutural. (Nesse sentido, considero que a eleição de Haddad foi mais a expressão da falência de Kassab e do PSDB na capital do que das virtudes progressistas do PT paulistano. Portanto, nada disso tem qualquer relação com conservadorismo ou progressismo congênitos - cuja admissão, em política, tem efeitos conservadores e desorientadores). Mas, para construir sua viabilidade eleitoral em São Paulo, seriam necessárias ideias e ações políticas mais à esquerda, o que somente poderia ocorrer com maior enraizamento e participação popular nas atividades cotidianas e nas instâncias deliberativas do partido e, também, se o partido sofresse muito mais influência direta daquelas parcelas da classe trabalhadora que, via movimentos populares ou sindicatos, ele exerce alguma influência (ao menos eleitoral). Isso porque, somente assim, o partido poderia acenar com ações políticas mais profundas e de mais amplo espectro populacional (Não cabe, aqui, analisar quais as contradições que, com isso, seriam acionadas em razão da estreiteza econômica de nossa via colonial). 

Nesse sentido, considero que o voto em Dilma não pode estar carregado de expectativas acerca de mudanças profundas nas políticas públicas e nem num possível “giro à esquerda”, por meio do qual o PT viesse a se reconstituir como partido de profundo enraizamento nas lutas cotidianas das massas populares. Para muitos e muitos trabalhadores e pequeno-burgueses, sabendo que, para a recomposição de suas taxas de lucro, o capital terá que endurecer seu combate à organização, à luta e aos direitos dos trabalhadores, o voto em Dilma neste segundo turno expressa a necessidade, de um lado, de derrotar eleitoralmente as forças reacionárias que estão compostas e satisfeitas com Aécio (muitas delas, inclusive, abertamente contrárias às mais elementares conquistas democráticas); de outro, num campo menos desfavorável para as lutas de classes, fortalecer partidos e movimentos em prol da manutenção/aprofundamento dessas conquistas e, por ora, de maneira subsidiária, trabalhar intensamente no sentido da construção da consciência de classe voltada para a emancipação dos trabalhadores – e, por meio dela, humana.

Em suma, na atual conjuntura, o voto em Dilma não significa que o medo deu lugar à esperança, mas que, devido às tenebrosas forças do atraso que estão embrenhadas na outra candidatura, o medo da reação pode tornar um pouco menos difícil a árdua tarefa de trazer à luz, embora não pelo PT, alguma esperança para as forças do trabalho.

2 comentários:

  1. Oi Prô, aderiu ao Blog?? estou te seguindo e adicionei o seu à minha lista! ...e faz muito tempo que não atualizo rsrsrsrsr

    ResponderExcluir
  2. Excelente Texto.
    Tenho orgulho do brasileiro que vc se tornou. E Isso me cativa mais e mais a refletir sobre nossa politica.... abraços

    ResponderExcluir