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segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Eleições municipais: derrota eleitoral e perspectivas da esquerda para o próximo período

Nas eleições de ontem, o PT sofreu uma grave derrota eleitoral. Para muitos, há tempos que o PT abandonou o campo da esquerda. Para outros, stricto sensu, ele nunca esteve propriamente lá. Socialista, jamais foi. Em seus melhores dias, seu ideário constituiu uma espécie de liberalismo democrático-radical, nunca tendo sido animado univocamente pelo pensamento marxista. Mas, seja como for, estando ou não na esquerda, o PT, por motivos diversos, é identificado como o maior e mais importante partido de esquerda do Brasil. Para o grosso das massas populares, pouco ou nada há na esquerda além do PT. Por isso, queiramos ou não, a crise do PT é a mais grave expressão, em nossa história, da crise da esquerda. Por suas virtudes e vicissitudes, os erros do PT são lançados na conta da esquerda em geral.

Nesse sentido, criticar os erros do PT é dever fundamental da esquerda. Mas, sob certos aspectos, também é importantíssimo defendê-lo dos ataques da direita. Criticá-lo por ter chafurdado na corrupção é justo e necessário, pois, aqui, ele comungou das mais torpes práticas políticas dos nossos inimigos de classe – dos partidos da direita. Igualmente, devemos fazê-lo em relação àquelas medidas econômicas e políticas regressivas que foram implementadas pelos governos Lula e Dilma. No entanto, é nosso dever defendê-lo de todos os ataques que, por meio dele, visam desqualificar tudo aquilo que remete ao popular, ao democrático e ao socialismo. Do mesmo modo, há que sermos intransigentes na defesa de um tratamento digno e republicano aos seus quadros corruptos, bem como no clamor para se estender a investigação e a punição aos corruptos que são seus adversários políticos. Pelo curso natural dos acontecimentos, nem um e nem outro ocorrerão.

Nessa difícil encruzilhada, momento em que o avanço conservador e a crise petista colocam enormes desafios para a reconstrução da esquerda – além, é claro, da difícil conjuntura internacional –, cabe salientar que a experiência governista do PT fez emergir, com mais intensidade do que em qualquer período anterior, a certeza de que as nossas classes dominantes (proprietários de terras e dos meios de produção, sejam eles nacionais ou estrangeiros) e frações expressivas das classes médias são completamente incapazes de apoiar qualquer movimento pelo avanço democrático em nossos país – vide que até seus partidos "de centro", nos últimos anos, têm abraçado regressões civis e medidas econômicas fortemente antipopulares. Em outras palavras, combalido pelo golpe de 1964 e morto pela integração subalterna no processo de mundialização – cujo corolário foram as contrarreformas neoliberais (que ainda pressionam para mais regressões) –, o sonho de um “capitalismo autônomo e independente” tornou-se, definitivamente, com a experiência “neodesenvolvimentista”, um espectro incapaz de alimentar qualquer expectativa de profundas transformações sociais. O que antes era uma possibilidade se revelou, nas condições atuais, mais do que nunca, uma impossibilidade objetiva, um beco sem saída da história. O sonho do capitalismo autônomo, cultivado por setores tanto das classes subalternas quantos minorias das classes dominantes, tornou-se o nosso unicórnio político.

Para extrairmos algumas das implicações disto, pensemos: quais seriam, no espectro político-partidário atual, os aliados dos trabalhadores numa luta pela democratização (formal e substancial) do país? Como, após a experiência neodesenvolvimentista do PT, ainda se pode crer na viabilidade da construção uma democracia burguesa com mais direitos e participação popular? Ou seja, como se pode crer na possibilidade de alargá-la aos moldes das democracias dos países centrais (as quais, por sua vez, têm se estreitado)? E mais, como fazê-lo se, para todos os espectros das nossas classes dominantes e seus representantes político-partidários, a necessária elevação substancial do padrão de vida (material e cultural) das massas populares é uma alternativa completamente descartada?

A nosso ver, nessa quadra histórica, o caráter conservador (e mesmo reacionário) das classes dominantes brasileiras expressa muito mais do que uma simples indisposição subjetiva para a mudança; ele expressa os constrangimentos objetivos da reprodução da economia nacional – subalterna e dependente – no contexto da mundialização do capital. Portanto, a questão é a seguinte: se o alargamento da democracia burguesa no Brasil exige a expansão de sua base socioeconômica e cultural e, por sua vez, este se tornou impossível no contexto da regressão neoliberal no capitalismo altamente financeirizado dos dias atuais, será que, esbarrando nas condições estruturais de reprodução do capitalismo dependente, as exigências imediatas não colocam as próprias transformações estruturais na ordem do dia? E mais, se a regressão neoliberal exige a implementação das contrarreformas, as melhorias conquistadas nos governos petistas – e, nisto, eles podem ter sido positivos –, por mínimas que sejam, não serão arrancadas facilmente das massas populares. Ao mesmo tempo, nesse quadro estreito, o movimento abrangente e decisivo destas terá impacto sobre a totalidade da reprodução social.

A batalha eleitoral está perdida. Porém, as batalhas decisivas da guerra de classes são travadas noutras frentes, especialmente nos locais de trabalho da cidade e do campo, bem como nos bairros periféricos das grandes e médias cidades. Se for assim, não apenas o dilema socialismo ou barbárie retoma sua atualidade histórica como, ao mesmo tempo, a derrota eleitoral da esquerda colocará, para a direita, o desafio de fazer as contrarreformas num contexto bastante adverso. Trata-se, então, de estarmos preparados para as duras batalhas sindicais e políticas – que, pelo visto, não vão demorar para recomeçar.  

sexta-feira, 18 de março de 2016

Das manifestações de 18.03.2016

Nas sociedades capitalistas, todo estado, com ou sem concertação de classes no governo, é burguês. Portanto, o complexo jurídico que ele estrutura – e, por sua vez, é estruturado – também é burguês. Isso não significa, no entanto, que ele esteja imune a leis que, aqui e ali, das trabalhistas às civis, atendam a certas demandas dos trabalhadores. Ocorre que tais demandas somente podem ser atendidas em condições correspondentes às possibilidades de reprodução da ordem social sobre a qual ele se ergue. Como, em razão da nossa história, temos uma economia de desenvolvimento estreito, dependente e subalterno, nossa democracia lhe é correspondente – estreita, seletiva. Nesse sentido, as massas populares sempre viveram formas agudas de pobreza material e cultural e tiveram pouco acesso às franquias democráticas. Para elas, essa democracia não pode ser defendida porque, de fato, ela nunca se realizou. Os governos petistas – especialmente entre 2003 e 2010 –, atuaram com vistas a amenizar essa miséria renitente e aguda, mas, mesmo que melhor do que todos os governos anteriores, sua atuação foi bastante limitada. Em razão disso, excetuando mobilizações pontuais, não se pode esperar que as massas populares mais pobres e exploradas saiam às ruas para defender esse governo, assim como não sairão para defenestrá-lo. Cada vez menos elas se identificam com ele e, ao que parece, não depositam nenhuma confiança nas lideranças do oposicionismo de rua e nem no institucional. Em suma, posso estar errado, mas penso que, por ora, estão numa espécie de deriva política. Não confiam mais nas lideranças tradicionais da (pseudo)esquerda majoritária; porém, nem a esquerda anticapitalista e nem a direita tradicional conseguiram conquistar-lhe corações e mentes. Eis um gravíssimo perigo, pois, se cooptadas pelo protofascismo de estratos crescentes das classes médias, a escalada da reação será muitíssimo maior do que a que vemos atualmente, com graves consequências na vida cotidiana de todos nós. Por isso, urge que a esquerda anticapitalista e os setores mais combatentes da socialdemocracia se unam numa frente política enervada por um programa econômico que, de fato, aponte para a resolução dos problemas concretos dessa imensa parcela da população brasileira – trabalhadores pobres e lumpemproletários, sobretudo os jovens (largamente ausentes nas manifestações da direita). Somente isso poderá atrai-la para uma ação política progressista. Do contrário, não apenas a esquerda cairá com Lula, Dilma e o petismo, mas também irão para a tumba as “liberdades democráticas” que, até agora, têm dado resguardo à organização política de certos estratos dos trabalhadores e das classes médias progressistas. Com a gritante transferência de questões políticas para o judiciário – cujo mito de poder independente e imparcial o petismo (mas não só) tanto alimentou –, não teremos sobre nossas cabeças a nua e crua botina dos militares, mas esta envolvida na – e justificada pela – toga dos magistrados. Por isso, embora necessária, a saída às ruas no dia de hoje não pode assumir as formas do governismo acrítico e nem fomentar a expectativa de que esta ação é resolutiva. É necessário muito mais. É necessário rearticular as lutas imediatas por liberdades democráticas e conquistas econômicas com a consistente luta (teórica e prática) contra o capitalismo e seus mitos. Trata-se, portanto, sem sectarismo ou ilusões revolucionárias infundadas, de construir uma alternativa pela base à crise vigente, pela organização e vinculação às massas populares e suas demandas – que, sobretudo e primariamente, são econômicas. Enfim, eis uma tarefa ao mesmo tempo titânica e urgente.